Localizado entre os rios Tietê e Tamanduateí, próximo à Estação da Luz e bem na região central de São Paulo, o bairro do Bom Retiro reúne uma grande variedade de lojas, centros culturais, instituições religiosas e restaurantes, mas a sua marca principal são as confecções. A história do bairro remonta a 1880, quando o barão do café, Joaquim Egídio de Sousa Aranha, que tinha uma propriedade na região, chamada de Chácara do Bom Retiro, decidiu lotear a fazenda para a construção de casas para os trabalhadores da indústria.
Isso ocorreu pouco tempo depois da inauguração de uma linha de trem que passava pela região e que ligava as cidades de Jundiaí e de Santos, com passagem pela capital paulista. Trajeto que era muito utilizado pelos imigrantes, que desembarcavam no Porto de Santos.
“O Bom Retiro é um bairro que, desde o final do século 19, recebe fluxos sucessivos de estrangeiros que chegam a São Paulo. Não é o único bairro, mas ele tem algumas particularidades: primeiro por causa da localização, que é central, próxima da Estação da Luz. Ele também tem uma atividade econômica importante desde os anos 20, com a indústria de comércio e de confecções, que começa a se estruturar. E ele oferece, além de condições de trabalho, condições de moradias para quem chega A São Paulo”, explicou Sarah Feldman, professora do Instituto de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (USP) do campus de São Carlos.
Ex-moradora do bairro, ela ajudou a levantar informações para o documentário O Bom Retiro É o Mundo, de André Klotzel. “O Bom Retiro tem essa atividade de comércio de confecções, que permanece hoje com os coreanos, e ele oferece uma forma de moradia de aluguel. Ele sempre foi – e continua sendo – um bairro concentrador de cortiços, que é uma solução de moradia de aluguel, em condições precárias, mas é uma alternativa de moradia na periferia, próxima a emprego e equipamentos públicos. Isso é uma alternativa de moradia para a população de baixa renda e para quem chega a São Paulo”, acrescentou Sarah.
Os primeiros a chegarem ao bairro e que o transformaram em uma vila operária foram os ingleses. “Já na construção da ferrovia, os engenheiros ingleses ocupavam as chácaras porque, antes da urbanização, ali era constituído por chácaras. Depois tem uma sucessão de grupos estrangeiros: os portugueses, os italianos, os espanhóis, os judeus, os gregos, os iugoslavos, os coreanos. E então vem o ciclo de imigrantes latino-americanos, africanos e, os bolivianos”, destacou Sarah.
É por isso que uma das principais características desse bairro é a sua multiculturalidade. “Esses grupos se instalam no bairro mantendo relações de trabalho e de moradia. E é só caminhar pelo bairro para você ver essa diversidade. Toda essa diversidade da população do Bom Retiro está marcada no território”, disse Sarah.
Os coreanos
A partir da década de 1960, os coreanos começaram a vir ao Brasil. O primeiro grupo de imigrantes a chegar ao território brasileiro de forma oficial veio em 1963, há exatos 60 anos, num tipo de imigração que a professora e socióloga Margareth Rogante denomina como familiar.
“Os [coreanos] mais antigos contavam que vieram com a família. Acho que 90% deles vieram por indicação dos parentes que já estavam aqui e vieram com toda a família”, disse ela, em entrevista à Agência Brasil. “Os coreanos vieram com a família, com a intenção de fixar-se. E eles fixaram-se, cresceram e estão aqui [no Brasil]”, acrescentou a socióloga, que há alguns anos desenvolveu o estudo A Imigração Coreana: o Processo de Fixação e Ascensão Social dos Imigrantes e Descendentes do Bairro do Bom Retiro.
Segundo ela, esses imigrantes chegaram ao país inicialmente com uma proposta de ir para o interior, trabalhar no campo. “Eles compraram terras, em princípio, para produção de alimentos na área rural, mas os projetos não deram certo e eles acabaram voltando para a cidade. A massa dessa imigração veio entre as décadas de 60, 70 e 80. E aí eles começaram a se fixar nos bairros centrais”, contou.
E foi assim que os coreanos começaram a ocupar principalmente o bairro do Bom Retiro. “O Bom Retiro tinha características que foram imprescindíveis para a escolha porque eles [coreanos] já vieram com o ofício da costura, a comunidade já tinha esse conhecimento. Então foi uma área mais fácil de atuar, embora muito dificultosa. Eles se reuniam em associações e em igrejas e tiveram que se dar muito apoio. Uma característica muito importante é que uma parte deles [desses imigrantes coreanos] declarou que veio com pouco dinheiro mas, por meio desses consórcios, as pessoas se reuniam e as lideranças entregavam o consórcio de acordo com a necessidade da família e já indicava: ‘olha, está faltando botão de pressão, você pode entrar nesse ramo?’ Então eles foram se agrupando e se organizando desta forma. Por isso a escolha do Bom Retiro. Todos que vinham já tinham mais ou menos a indicação do bairro”, explicou Margareth.